Que valores vivemos na matriz africana

As casas que professam os valores e princípios religiosos de matriz africana sofrem no Brasil e mais especificamente no Rio Grande do Sul, onde se prevê que mais de um milhão de afrodescendentes professam esta religião, observando-se aí uma profunda discriminação construída milenarmente ao relacioná-las às religiões católicas e evangélicas.
As religiões são vistas pelos sociólogos, antropólogos, educadores e mesmo pelos profissionais da saúde como espaço de busca do equilíbrio do físico com o psíquico e o social. Mas isto nunca serviu para as religiões de matriz africana que foram taxadas de espaço de “loucura”, de exercício ilegal da medicina, de curandeirismo e etc; isto se comprova quando vimos que os católicos e evangélicos têm assento nos conselhos municipais e estaduais de saúde e não se tem conhecimento de que um representante de religiosidade matriz africana viesse fazer parte, defendendo as necessidades sociais e de saúde da população negra.
As casas de religião de matriz africana, mesmo levando em conta a diversidade expressiva de cultos e nações, raízes a serem preservadas, mantêm intacta a questão relação com os seres vivos como um todo. O respeito aos mais velhos e aos mais jovens; a troca sábia com a natureza como busca do equilíbrio e alavanca para o desenvolvimento psíquico, social e cultural, o que idealisticamente vem ao encontro do conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde.
Os censos, pseudomente oficiais, não refletem a realidade vivenciada no dia a dia; em relação a religiosidade apenas 0,4% declaram-se vivenciadores da prática ideológica africana, enquanto a maioria que declaram-se católicos, têm vivência ativa nos terreiros.
Em relação à questão étnica, a grande maioria não sabe e enquadrar como negro ou pardo, temendo constrangimento e refletindo um profundo receio de rejeição social.
Hoje vivenciamos dias difíceis, de insegurança e temor, quando sentimos na pele a discriminação aos valores do negro como cultura, como raça.
Isto torna-se visível quando nossas casas de religiosidade de matriz africana são literalmente perseguidas, são alvos de movimentos evangélicos agressivos e repressores, alheios aos direitos do ser, da legislação constituída oficialmente, do respeito a ideologia pessoal de cada um.
Há impasses de entendimento entre ambientalistas e religiosos africanistas, mas na visão de mundo africano também se condena tudo que possa agredir a natureza, e sabiamente nos é passado que a natureza só absorve aquilo que o nosso corpo absorveria, assim sendo como africanistas lutamos pela preservação da natureza como parte que somos dela.
Somos comparados com a poluição sonora de bares, boates e danceterias quando severamente precisamos reconhecer que o toque de tambor consagra a energia dos orixás e a canaliza até nós, e isto não é feito diariamente, nem conduz jovens ao vício, nem os expõe a perigos de má convivência, o mesmo não podemos dizer destes locais de lazer, onde a droga e a promiscuidade conduzem muitos jovens a autodestruição.
Como historiadores, pesquisadores e acima de tudo como religiosos africanistas sem constrangimento de assim nos apresentarmos é que devemos buscar a conquista de verdadeiramente podermos professar nossa religiosidade com garantia de integridade física e moral, com consciência de que a natureza depende de nós e nós só sobreviveremos se harmoniosos a ela.
Devemos oportunizar ao negro os direitos que lhes são negados quando lhes é distinguido o acesso aos meios culturais, ao ambiente social e quando lhes é castrado o direito a professar a sua fé.
Como parte deste universo, devemos lutar pelo reconhecimento desses direitos de vida, religiosidade, trabalho e estudos com a certeza de que se estas conquistas não acenam, seremos repasto dos leões, pois ciclicamente a história se repete.

Educadora e Yalorixá Nara Louro

Dirigente da Sociedade Cultural e Assistencial Pai Xapanã