quinta-feira, 10 de junho de 2010

Culto Ancestral no RS

O Africanismo tido como uma religião primitiva tem seus primeiros relatos cerca de mais ou menos 4.000 anos, nasceu aos poucos, sem uma codificação, da mesma forma que o judaísmo e o bramanismo. Os hebreus, após alguns séculos de nomadismo e cultura oral, escreveram a Bíblia, que ficou sendo o fundamento não só de sua religião, mas de sua própria civilização.
Os muçulmanos também consolidaram seus preceitos no Alcorão e o Brâmanes nos Vedas. No decorrer do tempo, religiões mais modernas sentiram necessidade de ter um livro com os fundamentos, assim ter um livro com os seus fundamentos, assim editou-se o Livro dos Espíritos de Allan kardec.
Os negros não tiveram acesso a tecnologia, no entanto, a sua cultura veio resistindo ao tempo sem tal codificação sendo praticada largamente nas regiões africanas onde nasceu como o Daomei, Gana, Costa do Marfim, Serra Leoa e outras regiões.
Foi destas regiões que os africanos foram arrebanhados no século XVI (16) para servir como escravos aos colonizadores portugueses no Brasil.
Muitos desses escravos eram reis, príncipes ou sacerdotes de suas tribos, a escravidão, porém, nivelou a todos, mas no interior das senzalas esta hierarquia se conservava e mantinha o respeito do grupo.
Oprimido o negro usou seu instinto e seus místicos poderes na constante luta pela sobrevivência como povo, se apoiando no conjunto de regras e lendas, patrimônio cultural e espiritual de cada nação.
Os colonizadores não aceitaram a sua religião por considerarem magia perniciosa, não conveniente aos seus interesses; o negro então fez nascer o sincretismo, colocava as ferramentas sagradas de seus orixás dentro de potes de barro e cobriam-nos com imagens de santos católicos que se assemelhavam as suas divindades em suas crendices.
Hoje somos testemunhas da vitalidade com que estes ritos se espalharam, representados em milhares de terreiros: de umbanda, quimbanda e afro-nagô em todo o Brasil.
O culto afro, mesmo de diferentes nações, vem conservando regras rígidas através do tempo; os assentamentos e rituais guardam ainda sua pureza original. Segundo a essência desta doutrina existe um mundo material, o ayé e um espiritual, o orum e cada ser humano ao nascer recebe da natureza a influência de um orixá, que lhe transmite vibrações energéticas constantes e fortalecedoras, imbuindo-lhe a certeza de que a morte não é uma extinção, mas o cumprimento de um ciclo, oportunizando um novo tipo de interação do individuo com o universo.
Os negros africanos trazidos para o Brasil foram classificados genericamente em dois grandes grupos: os Bantos e os Sudaneses.
Sabemos, porém, que cada grupo guarda outros tantos grupos com cultura diversa.
De acordo com estudos minuciosos de Arthur Ramos, foram trazidos para o Sul principalmente os Bantos ocidentais, habitantes de uma imensa região hoje compreendida pelo Antigo Congo, Angola e Moçambique. Idéias vigentes na época, como de serem considerados mais forte e resistentes e também de pouco capazes para tarefas mais sofisticadas, fez com que seguidamente fossem destinados às lides agrícolas, o que parece, aconteceu em larga escala no Sul.
São de origens Banto, grupos como: os Mujolo, Angola, Benguela, Cassange, Rebolo, Moçambique e Cabinda.
Os Sudaneses ocupavam a região do Antigo Sudão onde hoje estão a Nigéria e República do Benin, Togo, Camarões e Gana. Entre os grupos mais representativos, no Brasil, podemos citar os Jêjes e os Nagô que, em função da proximidade geográfica e cultura semelhante, passaram comumente a serem denominados de jêje-nagô, ou de negros mina, em virtude de provirem também da Costa da Mina, no Golfo da Guiné, que sem dúvida alguma foi um dos locais mais importantes de saída de escravos do litoral africano.
Um dos grupos sudaneses, os Hauçás, que teve sua presença registrada no Estado, habitavam originalmente a borda do Saara e foram parcialmente islamizados, liam e escreviam em árabe numa época em que na grande maioria, os colonizadores portugueses eram analfabetos.
Tanto os jêje como os nagô desenvolveram extraordinariamente a metalurgia, produzindo objetos em bronze e confeccionando instrumentos agrícolas e armas de ferro.
Na época do tráfico a denominação étnica atribuída ao escravo levava em consideração seu aspecto físico e sua origem, entretanto, nem sempre os escravos provindos de determinado local correspondiam à etnia da região, o que gerou a grande mistura de etnias em todos os aspectos culturais.
A colonização oficial do Rio Grande do Sul se estabeleceu através de duas principais rotas: a mais antiga pelo Norte e a mais recente pelo Sul, com a fundação de Rio Grande em 1737.
A rota pelo Norte iniciou com a expedição de João de Magalhães, em 1725, que vinda pelo centro do país, desembarcou em Laguna, Santa Catarina, e avançou a pé pelo litoral. Esta expedição abriu um caminho intensamente trilhado por colonizadores e tropeiros.
Neste caminho algumas cidades aos poucos foram fundadas, citamos Osório, Santo Antônio da Patrulha, Gravataí, Viamão e Porto Alegre.
O ingresso pelo Sul começou com a fundação de Rio Grande, como já foi dissemos, onde se observou rápido crescimento por ser o único porto marítimo na época.
Neste processo de crescimento geográfico vimos que o negro vinha sempre ao lado do colonizador oficial, encarregando-se basicamente de todo o trabalho braçal, numa época em que não existiam maquinas como hoje existem, e as que encontravam eram rudimentares.
O negro era peão de estância, embarcadiço, tropeiro, agricultor, artesão, soldado, serviçal doméstico.
Seu suor e sacrifício resultaram num poderio econômico de grandes proporções na época, vista disso é a grandeza e o luxo dos prédios de Pelotas, pelo volume de dinheiro que jorrava das charqueadas locais. Sabemos que os imigrantes alemães, italianos e outros ao aqui chegar, encontraram uma sociedade organizada política, social e economicamente e tal organização deve-se ao trabalho escravo.
A liberdade era o sonho de toda a comunidade africana que trabalhava no charque e nas estâncias. A Revolução Farroupilha pareceu ser a oportunidade de liberdade quando os escravos foram convocados a lutar, mas a intenção dos estancieiros não era nem um pouco abolicionista. No entanto, a grande frente de batalha era composta por lanceiros negros, que realmente fizeram a história na revolução gaúcha.
Segundo Maestri, historiador, a produção escravista foi à espinha dorsal da economia colonial e imperial, olhando sob o prisma espiritual vimos de acordo com o antropólogo Ari Oro que as religiões afro-brasileiras tem suas doutrinas, mitos, ritos e um conjunto de instancias hierárquicas ocupadas por seres predestinados a acolher da natureza a sua essência energética e renovadora.
Nas expressões afro, não há dissociação entre o corpo e a alma, o ser é um todo, e esse todo é valorizado da mesma forma.
A musicalidade africana é ligada ao corpo, ela celebra o nascimento, a vida em seus estágios e a morte.
As manifestações culturais originárias da África percorreram anos, séculos e formaram, por meio da mescla com elementos culturais locais, novas formas de expressão artística.
Ainda vivemos uma reminiscente cultura racista, mas é a consciência valorizadora da raça que alimentará a confiança e auto-estima, é através do conhecimento histórico difundido e do livre professar religioso que o africano de raiz, hoje negro gaúcho, reconhecerá e poderá valorizar o seu importante papel na história.
Imbuídos de resgatar estas passagens históricas, de reforçar estes segmentos culturais de cada nação africana, representados em formas difusas em nossos cultos, é que hoje estamos aqui, oportunidade rara, de podermos comentar um pouco sobre esta nossa História, numa festa que exalta esta grande Mãe Oxum, Mãe doçura, brandura, mãe harmonia, mãe fartura, mãe riqueza, nossa mãe.
E nesta festa em que poderemos observar e experimentar esta culinária típica afro, em circunstâncias gerais tão embutida no nosso dia a dia, parte da herança que os ancestrais africanos nos doaram, com seus pratos coloridos, de paladar forte e extremo sabor, doces que lembram a magnífica realeza dos deuses e que estão inseridos na nossa mesa.
NARA LOURO- 2006